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Brasil não atingiu a meta da Organização Mundial de Saúde de acesso universal ao tratamento contra a Aids

Brasil não atingiu a meta da Organização Mundial de Saúde de acesso universal ao tratamento contra a Aids

A falta de profissionais qualificados no maior Estado do país pode nos deixar ainda mais distantes desse objetivo

 

Anna Carolina Cardoso Pinheiro

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) divulgou, em setembro, estudo inédito que aponta falta de profissionais qualificados para o tratamento das vítimas da Aids. Segundo o estudo, coordenado por Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, que também é ativista de um grupo de defesa dos portadores de HIV desde 1989, o número de médicos para cuidar das pessoas que vivem com o HIV no Estado de São Paulo é insuficiente, e o preparo desses está aquém do recomendável: dos 3.178 médicos que receitaram antirretrovirais, entre os anos de 2008 e 2009, mais da metade (53,1%) não tinha feito ou concluído residência médica; 44,7% não possuíam título de especialista; e apenas 30% do grupo eram especialistas na área. O infectologista Marcello Cabral acredita que a baixa oferta de cursos na área seja um limitador na procura por essa especialidade: em todo o país, há apenas 52 Programas em Residência Médica de Infectologia.

O documento mostrou ainda que a cidade de Franca, no interior do Estado, concentra a maior incidência da Aids no território paulista (23,1 para cada 100 mil habitantes), e tem a pior distribuição de médicos atuando contra a doença: -0,2 para cada cem pacientes com HIV, de acordo com dados do pesquisador. Alessandra Duarte, nome fictício, tem 25 anos e convive com o vírus há cinco. Moradora de Franca, lamenta não haver nenhum grupo de apoio ao portador de Aids na região. “Nem mesmo os portadores se mobilizam para sugerir melhoras no tratamento. E o governo tampouco ajuda”, completa a operadora de telemarketing.

Apesar de faltar mão de obra especializada, o tratamento está disponível em São Paulo, o que não acontece em muitas regiões do globo. Em relatório publicado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Onaids), a meta de concretizar o acesso universal ao tratamento contra a Aids, estabelecida no ano de 2006 para ser cumprida até este ano, o prazo foi prorrogado para 2015. A oferta de medicação a pelo menos 80% da população que dele necessitar foi atingida por apenas oito dos 144 países de média e baixa renda analisados (Botsuana, Camboja, Croácia, Cuba, Guiana, Omã, Romênia e Ruanda). De acordo com o Onaids, o maior obstáculo para o Brasil – país que atingiu a meta de distribuição dos remédios para as crianças, e está no caminho de consegui-lo também para os adultos – é o diagnóstico tardio. No mundo, são 33,4 milhões de pessoas vivendo com o HIV, sendo que 2,7 milhões foram diagnosticadas apenas em 2008. A quantidade de soropositivos recebendo terapia antirretroviral nos países de baixa e média renda aumentou em 1,2 milhão no ano passado – foi o maior aumento já registrado em um único ano. Atualmente, são 5,25 milhões de pessoas sob tratamento, ou seja, um terço dos HIV positivos que se têm conhecimento.

A Aids (sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é o resultado da infecção do organismo pelo vírus HIV, que afeta o sistema imunológico do indivíduo, que tem sua eficiência diminuída e, progressivamente, abre caminho para as chamadas infecções oportunistas e até alguns tipos de câncer. Considerada pela OMS uma enfermidade de caráter epidêmico, ainda não foi encontrada uma vacina eficaz para seu tratamento e/ou prevenção. Cabral destaca o risco de transmitir a doença sem sequer saber que porta o vírus. “Como os sintomas da Aids podem demorar anos para aparecer, neste espaço de tempo o vírus pode ser transmitido a outras pessoas, sem que o soropositivo, pessoa que vive com o HIV, tenha consciência do seu estado de saúde”, explica o médico.

O primeiro diagnóstico de infecções oportunistas decorrentes do HIV foi publicado em junho de 1981 no boletim do Centro de Controle de Doenças na cidade de Atlanta, nos Estados Unidos. Em 1983, o Instituto Pasteur da França e o instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos isolaram o vírus, dando inicio a pesquisas que permitiram, em 1996, o surgimento da terapia antirretroviral de alta potência – medicamentos que, oferecidos em várias combinações, são conhecidos como “coquetel”. A eficácia destes novos medicamentos resultou em uma diminuição de 80% dos casos de internação hospitalar e diminuiu significativamente o número de óbitos. O maior acesso aos medicamentos e o diagnóstico precoce têm melhorado a vida dos soropositivos, que estão vivendo mais: o Boletim Epidemiológico Aids/DST de 2008 mostrou que, nas regiões Sul e Sudeste, o tempo médio de sobrevida dos pacientes dobrou entre 1995 e 2007, saltando de 58 para mais de 108 meses. Apesar dos avanços, há muito para mudar. Alessandra acredita que ainda mais difícil que atingir a meta estabelecida pela Organização Mundial de Saúde, é vencer o preconceito das pessoas. “É muito doloroso ter Aids. Como se não bastasse não poder planejar a longo prazo, não ter sonhos como todo mundo, ter de tomar quinze comprimidos por dia, checar a imunidade periodicamente, sou obrigada a conviver com o olhar de nojo das pessoas”, desabafa a jovem, infectada durante uma transfusão sanguínea.


(matéria escrita em 04/10/2010, para a disciplina de Jornalismo Multimídia IV)